Esse artigo foi extraído do site cidadedomarketing.com.br.
Ele foi escrito pelo Marcos Hashimoto Doutor em Administração de Empresas pela EAESP/FGV, Professor de Empreendedorismo e Coordenador do Centro de Empreendedorismo do Insper Ibmec São Paulo, Sócio-diretor da Lebre Consulting, Ex-professor da Business School São Paulo. Exerceu cargos executivos em multinacionais como Citibank e Cargill Agrícola. Autor dos livros – Espírito Empreendedor nas Organizações e Lições de Empreendedorismo É colaborador do Instituto Empreender Endeavor e da revista Você S/A. É professor visitante da Universidade do Texas em San Antonio e professor mentor do programa REE Fellows da Universidade de Stanford | http://www.marcoshashimoto.com
Achei, particularmente, muito interessante e por isso posto aqui, para o acesso de mais pessoas com perfil empreendedor, que por muitas vezes se sentem “perdidos” ou “incompreendidos”.
Como já foi falado em outros textos, aqui publicados, quem tem perfil empreendedor, dificilmente terá um perfil administrativo, valendo o “vice-versa”.
Empreender é uma atitude, que independe de idade, classe social ou conhecimento técnico. Normalmente os casos de sucesso vêm de pessoas que resolveram arriscar, que não mediram forças e ações para dar certo aquilo que elas viram ser uma oportunidade.
Já é comprovado, também, que um novo negócio para dar certo é preciso que seja baseado na oportunidade e não na necessidade do mercado.
Uma oportunidade rende, uma necessidade se satisfaz e o empreendimento, se não souber se adaptar rapidamente está fadado ao fim.
Bom, segue o artigo. Espero que gostem dessa visão “caseira” de como uma simples quebra de paradigma pode dar muito certo.
Empreendedorismo não tem idade:
Esta semana minha filha me contou uma história que eu vou reproduzir aqui, pois ilustra bem muita coisa que tenho dito sobre perfil empreendedor. Com 14 anos, os jovens que estão se formando no ensino médio costumam ser estimulados pela própria escola a levantar fundos para cobrir as despesas da festa de formatura, uma prática comum em várias escolas.
Por vários anos, os alunos da escola da minha filha têm feito sempre a mesma coisa: Vender rifas e brigadeiro. Os alunos, organizados em duplas, compram a matéria prima, fazem os brigadeiros em casa e vendem para os colegas na escola a R$ 1,00 cada. Em um sistema de rodízio entre os alunos, todos se envolvem e arrecadam em média R$ 80,00 por dia, em cada um dos dois turnos da escola.
Eu me lembro de ter perguntado à minha filha porque eles não vendiam algo diferente, mas ela respondia que não adiantava, pois já haviam tentado tortas, bolos, salgadinhos, mas nunca vendia bem. O brigadeiro era a fórmula do sucesso e não valia à pena trocar. Era garantia de 100% de venda. Pois bem, este ano, um garoto chamado Cadu mudou esta realidade. Ele surgiu no horário do intervalo com uma bandeja com 30 pastéis quentinhos. A R$ 2,00 cada, em menos de 5 minutos ele vendeu tudo!
Os colegas logo perceberam a grande oportunidade e começaram a vender pastéis também. Hoje, um mês depois, a venda de pastéis está gerando uma receita de R$ 180,00por dupla de alunos por dia. Cada pastel gera um lucro de R$ 1,50, pois eles pagam R$ 0,50 cada um graças a uma boa negociação com o dono da pastelaria em frente à escola que frita na hora e entrega aos alunos no horário do intervalo. Os brigadeiros geravam um lucro de R$ 1,00 cada, pois os pais dos alunos financiavam a matéria prima. Sem contar o fato de que os alunos perdiam metade da tarde fazendo os brigadeiros.
Além do ganho financeiro, existem outros fundamentos de empreendedorismo nesta singela história que vou explorar a seguir:
1) O que caracteriza uma oportunidade. Uma oportunidade é identificada por quem consegue conectar fatos e extrair destas ligações uma grande idéia. Veja os fatos:
a. Os alunos não podem sair da escola no horário do intervalo;
b. A pastelaria fica lotada na saída da escola;
c. O pasteleiro não pode vender seus produtos dentro da escola, onde a exclusividade é da cantina já estabelecida;
d. A cantina vende hoje salgadinhos, frios e já conhecidos, a R$ 2,30 cada;
e. Fazer brigadeiro dá trabalho;
f. Ninguém mais tem disposição para tentar algo diferente de brigadeiro. O paradigma já foi instituído e paralisou todas as tentativas de mudança;
g. Alunos só podem vender algo na escola se for para arrecadar fundos;
Olhando estes fatos isolados, não é difícil chegar à conclusão que vender pastéis foi uma grande ideia que qualquer um poderia ter tido. Por que ninguém pensou nisto antes? Porque ninguém conseguiu ver a conexão destes fatos em meio a várias outras coisas que acontecem ao nosso redor. Esta percepção é rara nas pessoas, mas pode ser adquirida se devidamente treinada. Empreendedores refinam esta competência no seu dia-a-dia.
2) A inovação está no modelo de negócio. Note como foi estabelecida a lógica do negócio que explica o seu sucesso:
a. O fator novidade, pela oferta de um produto aos alunos que não existia antes. Vende-se mais que o dobro de pastéis do que brigadeiros;
b. A alta qualidade do produto, diferente das tortas e bolos feitos pelas mães dos alunos;
c. O apelo do produto fortemente centrado no irresistível aroma de pastéis quentinhos no horário do intervalo;
d. A terceirização da produção que leva mais alunos a se interessarem no processo de venda porque não precisam perder tempo na produção, como no caso do brigadeiro;
e. A lógica financeira representada por um preço menor que o do concorrente, mas ainda assim 300% maior do que o custo, obtido graças ao poder de negociação junto ao produtor que não tinha acesso a este mercado;
f. O caráter filantrópico da ação, pois todo o lucro é doado ao colégio com o fim exclusivo de realizar a festa de formatura, caso contrário os alunos não teriam autorização para conduzir atividades comerciais dentro da escola.
Basta que um destes elementos falte para que a idéia naufrague. O modelo de negócio só faz sentido porque todos estes elementos, juntos, dão sentido à lógica do negócio.
3) Perfil empreendedor. Veja Cadu, o garoto que percebeu esta oportunidade e influenciou os colegas a adotarem sua idéia. Sob os critérios existentes, Cadu é conhecido como um mau aluno. Repetiu o ano por insuficiência de notas. Vive zanzando pelas ruas, de bicicleta, ‘largado’ da família. Apronta mil travessuras e não se arrepende mesmo ficando de castigo. Detesta seguir regras, é despreocupado com relação ao futuro e não mede as conseqüências de suas atitudes, muitas vezes se arrependendo depois de ter agido. Você não gostaria de ver seu filho perto dele. Por outro lado, ele é sensível, é esperto e bastante ligado nas coisas, tem ótima capacidade de perceber o ambiente, gosta de fazer amizades. Os amigos gostam das suas idéias, o que faz com que ele tenha sempre seguidores que o acompanham em suas aventuras.
Ao longo dos anos, conhecendo empreendedores bem sucedidos e estudando suas biografias, percebi que o empreendedor típico foge do estereótipo do ‘bom menino’ ou do ‘aluno exemplar’. Eles são mesmo rebeldes, em descompasso com padrões vigentes, dedicados a romper limites e a questionar regras impostas. Outra coisa que Cadu apresenta em comum com empreendedores que nos faz imaginar o seu futuro é a influência familiar. Os pais de Cadu são donos de um dos mais relevantes negócios na área de alimentação da cidade, que inclui restaurante e serviços de Buffet.
Isso nos faz pensar no nosso atual modelo educacional. A forte carga na formação de conteúdo privilegia a carreira executiva, mas não forma competências importantes para empreendedores, como criatividade, tolerância a erros, gerir com poucos recursos, receptividade a riscos, perseverança e determinação. Empreendedores adquirem esta formação em outros ambientes, principalmente o familiar.
Não estou aqui incentivando as crianças a abandonar a escola e sim alertando que, para os empreendedores, o aprendizado adquirido na escola não é suficiente. É limitado, restrito.